O minicurso Introdução à primeira parte da obra “Ser e Tempo” de Martin Heidegger será ministrado por Manuela Santos Saadeh, pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRRJ (PPGFil-UFRRJ)
Estudar Filosofia é hoje em dia sempre uma dificuldade e, no entanto, é sempre também um ato de resistência. Pois quase todo conhecimento acadêmico é hoje refém dos processos econômicos e tomado com único fito de angariar recursos. Creio ser fundamental cada vez mais o saber se postar no lugar do conhecimento “apenas” pelo próprio conhecimento (e não somente com propósitos econômicos), em vista do engrandecimento espiritual (pensante) e crítico de nosso povo. Martin Heidegger é, a meu ver, o último grande filósofo do Ocidente, e tem muito a ensinar sobre nossa estrutura enquanto compreensão do Todo e, com isso, ensinar acerca de nossa História, porquanto a estrutura Dasein, o Ser do homem e sua compreensão sejam essencialmente tempo, isto é, temporal. O curso seria, portanto, uma introdução a esta filosofia através da obra Ser e Tempo.
Programação do curso.
Aula 1: Explicar a importância da obra Ser e Tempo para a contemporaneidade, e trazer os conceitos básicos da obra. O ente é para a Filosofia tudo que há, tudo que tem uma configuração e tudo tem uma configuração seja “matéria” ou ideal. Ontologia, é a ciência que lida com os questionamentos do Ser do ente. O Ser é pensado tradicionalmente como uma configuração ultima para o ente, uma subsistência ôntica portanto. O Ser seria então uma presentidade constante no ente, que é mutável e corruptível. O digno de questão então seria pensar o que pode ter em si tal presentidade constante. Para Heidegger, isso não é aventado na história da Filosofia, todo grande pensador da História já sempre pensou o Ser enquanto configuração última do ente, determinante do ente, enquanto a constância em todo movimento.
Aula 2: Continuar explanando sobre os conceitos fundamentais da primeira parte de Ser e Tempo. São eles os conceitos de: Ser, ente, Dasein, ser-no-mundo, lida, Mundo, mundaniedade, impessoal, alteridade, cura. A pergunta expressa pelo sentido do Ser é uma pergunta que traz à tona conceitos que se apresentam como estruturas fundamentais do próprio Ser, o que torna estritamente necessária a compreensão da origem e da exigência da colocação da questão. A questão do Ser não é primazia para nenhum ente a não ser para o Dasein, desde o qual e para o qual Heidegger circunscreve sua analítica ontológica. Uma analítica corresponde à decomposição dos fatores estruturais constitutivos de uma essência (Ser). É desde tal forma de investigar, que o filósofo vai problematizar pormenorizadamente todos os modos nos quais o ente Dasein se manifesta.
Aula 3: Pensar como originariamente ao Dasein o Ser é sempre aberto como problema. Se o Ser do Dasein é questão para ser, o Ser dele já sempre está aberto não como um ente intelectual cognoscível, mas enquanto questão para ser. A questão da lida imediata com a qual o Dasein tem que se ocupar, continuamente lhe interpela: o (ter que) Ser é uma convocação permanente. O fato do Ser do Dasein já estar sempre aberto enquanto interpelado, faz dele o único ente que tem como questão o próprio Ser. O Ser é, nestes termos, a convocação imediata desde a qual e para a qual o Dasein tem que inevitavelmente se reportar por toda sua existência. Tal convocação se mostra imediata porque é a necessidade imposta a um ente que tem que se entender com seu próprio Ser, uma vez que ele só é[1] enquanto compreende. A estrutura Dasein é consequentemente designada enquanto o único caminho para a compreensão da questão do sentido Ser, posto que, o que é primariamente problema para o Dasein é o seu próprio Ser – ele é um ente que sendo, se abre a si mesmo enquanto compreensão. O Dasein é, nestes termos, determinado enquanto o próprio existir, ele experimenta o Ser na medida em que é enquanto existente. Todo ente que faz encontro com o Dasein, o faz enquanto interpelação para o compreender solicitando significação; mas porque esta compreensão do Ser é a mais imediata, a mais próxima – uma vez que ela é o solo a partir do qual (e para o qual) o Dasein tem que irremediavelmente se movimentar continuamente – ele tende a não percebê-la, o que faz com que a questão do Ser se torne o mais distante precisamente porque o Ser sempre já está dado imediatamente em uma compreensão. Esta compreensão, evidenciada por Heidegger como pré-ontológica, provém sempre do Mundo, determinado pelo filósofo como o âmbito de possibilidade e significação no qual o Dasein emerge – a compreensão é, nestes termos, uma compreensão do Mundo no qual o Dasein é desde sempre já lançado. Por isso o Dasein se fundamenta em seu Ser enquanto o ente que é ser-no-mundo, fenômeno que funda a temporalidade. Esta estrutura manifesta o fundamento formal-fático do Ser existencial do Dasein enquanto compreensão de si; ela é nestes termos a base para a interpretação de todos os existenciais. Estes aqui devem ser liberados na analítica do ser-no-mundo para que a compreensão necessária da estrutura do ente que se questiona pelo sentido do Ser seja propriamente iluminada. Todas as estruturas liberadas do ser-no-mundo servirão, posteriormente, à compreensão da possibilidade da temporalidade do Dasein, uma vez que, porquanto se compreenda sendo, este ente sempre já se compreende enquanto tempo, e isto pré-ontológicamente. Assim, o intuito deste estudo será o de problematizar e tematizar as estruturas existenciais liberadas por Heidegger através do fenômeno ser-no-mundo, com o propósito de tentar excluir do Ser do Dasein todo caráter de subsistência, na medida em que este caráter pertence ao ente que não tem a forma do Ser do Dasein.
Aula 4: Permanecer na explicação dos fenômenos pertencentes à estrutura Dasein. É, portanto, no interior desta problemática da existência que se explicitará o âmbito da ocupação circunscrita, desde o qual o Dasein é determinado enquanto Ser-junto-ao-ente-intramunando-encontrado e Ser-com com o outro Dasein. Através do método fenomenológico(-heideggeriano) de pesquisa, temos o intuito de compreender a concernência de cada momento do fenômeno ao todo estrutural do existir – totalidade esta que será mais precisamente explicitada na segunda parte deste texto, posto que ela se manifesta como consequente, em decorrência da analítica dos momentos estruturais fundamentais do fenômeno ser-no-mundo. A sentença de Heidegger, que pretende empreender uma estrutura una: “o Ser do Dasein, enquanto ser-no-mundo, é cura”, como uma determinação previamente adquirida deste Ser, precisa ser propriamente investigada (transcendida) em todos os seus momentos estruturais para que se possibilite, desde tal analítica, uma perspectiva prévia acerca do Ser deste ente que dê os subsídios necessários para a formação do aparelho conceitual almejado. Desde tal analítica primária deste ente, podemos compreender a necessidade de Heidegger de primeiramente expor o sentido do fenômeno que o filósofo identifica como o fenômeno do Mundo. Este aqui, veremos a seguir, se configura como o todo significativo, a totalidade sempre possível do caráter de sentido, no interior do qual o Dasein tem que se orientar em vista das possibilidades do seu Ser fático, isto é, em vista do seu poder-ser [Seinkönnen]. Vale ressaltar já, que a interioridade do Mundo não é aqui algo de “espacial” – é tão somente a interioridade enquanto âmbito de sentido, pois é no interior do sentido que o Dasein enquanto abertura compreensiva se desdobra em vista das possibilidades do seu Ser.
Aula 5: Permanecer na explicação dos existenciais em Ser e Tempo e pensar o seguinte questionamento: por respeito a esta estrutura Dasein, como então essa exterioridade estudada na aula passada, deve ser caracterizada? O ex de exterior (caracterizado por Heidegger a partir da existência compreendida enquanto ex-sisteren, isto é, o “insistir fora” concernente à forma do Ser do ente compreensivo de Mundo), termo que determina a exterioridade desde a qual o Dasein se fenomenaliza, que é propriamente o aberto, se determina enquanto um âmbito temporal de possibilidade e, ao mesmo tempo, enquanto o modo possível do compreender, do discurso e do encontrar-se [Befindlichkeit] constantes, desde os quais o Dasein pode desdobrar suas possibilidades fáticas. Este aberto tanto em que o Mundo se significa quanto em que o compreender se orienta, tem o caráter de temporal. E o compreender é necessariamente já situado porque, enquanto abertura, já se dá no interior de outra abertura; o existir (Dasein) é o ser-no-mundo sob a condição de possibilidade da compreensão do Ser.
Aula 6:Explanação acerca do Ser-com do Dasein: O quarto capítulo de Ser e Tempo começa pela abordagem da questão que pretende investigar como é que o Ser do Dasein é co-constituído pela estrutura Ser-com, uma vez que o Ser-em é o estrutural Ser-junto e Ser-com. Até então, Heidegger apresentou e estruturou a problemática do Ser a partir da ocupação, a partir do Ser-junto [junto] ao ente intramundano encontrado, e isto porque esse fenômeno é o que se manifesta mais visivelmente na cotidianidade. Tal procedimento hermenêutico visa empreender um caminho de aprofundamento da questão indo sempre do mais claro à compreensão até os lugares mais obscuros e difíceis de serem mirados (até a invisibilidade própria da estrutura), pois que constituem a totalidade da forma do Ser deste ente, cuja absoluta imediatidade faz com que tal estrutura seja apenas sempre constantemente experimentada (fenomenalmente), mas não tematicamente. Agora é pensado precisamente o que seja essa estrutura a partir do existencial Ser-com, uma vez que ao Ser-com pertence tanto a lida com o ente intramundano, quanto a coexistência (com outro Dasein). Heidegger começa abordando o momento estrutural Mesmo[das Selbst] do Dasein e esclarece que nele está toda base para a orientação do Ser-com. Tal momento se configura como a reiteração de um mesmo Dasein no tempo, do Dasein que eu mesmo sou. E o impessoal [das Man] mostra como é que no existir cotidiano, precisamente este Mesmo do Dasein não consegue se desdobrar propriamente[2]. Heidegger então ensina que neste modo privativo do desdobramento do Ser do Dasein no impessoal, desde o qual ele permanece desapropriado de si ao Mundo, há um Mesmo se dando, mas não o Mesmo no sentido do próprio – é o mesmo do outro, é o mesmo do público: da publicidade. No § 9 de Ser e Tempo, para justificar como o Dasein se comprova enquanto compreensão do Ser foi mostrado que a primeira compreensão que ele tem é a do “sendo” dele mesmo. Aqui a questão do (si-)Mesmo já está visada do ponto de vista de uma constância, isto é, de uma permanência do Mesmo do Dasein. Este fato do Ser ser sempre o meu e não o outro, se dá sempre em uma constância, onde este não-outro não é simplesmente para o eu se diferenciar, mas para garantir continuamente que esse eu se mantenha (uma vez que ele não é uma subsistência dada e encerrada, mas é porquanto esteja sendo). Assim, essa diferenciação é visada no sentido de confirmar uma permanência, uma permanente reiteração de um Mesmo, e não no sentido apenas de se distinguir do outro. Mas o quem do Dasein, cujo Ser Heidegger questiona, sempre imediatamente o Dasein já o compreende enquanto uma subsistência, porque sempre se compreende de partida pelo ente do Mundo, sempre já permanente numa região fechada do ente e para ele. Heidegger então se pergunta acerca da possibilidade deste quem do Dasein ter seu Ser compreendido somente a partir da orientação de um Mesmo permanente (daqui somente, é que a substancialidade pode ser historicamente um guia ontológico). É na verificação da cotidianidade do Dasein que Heidegger compreende o motivo pelo qual dá-se a questão da mesmidade no modo da impropriedade, no modo como foi colocada pela tradição, pensada sempre implicitamente a partir da subsistência. A questão do quem quer mostrar se o “(eu-)mesmo” é próprio ou se esse quem é mera e abundantemente determinado pelo outro, pelo Mundo tomado a partir da perspectiva subsistente.
Aula 7: Explanação acerca da estrutura do impessoal: A partir do desdobramento da questão do estrutural Ser-com do ser-no-mundo, Heidegger começa agora a esclarecer que a compreensão do Dasein se desdobra sempre já a partir de determinações de sentido pré-determinadas instituídas pelo Mundo no qual ele emerge, o que configura, de imediato, a apropriação do seu Ser (inteiramente determinado enquanto compreensão do Mundo no qual emerge) através delas. Nos capítulos anteriores, foi mostrado como Mundo acontece a partir da constituição ocupada do Dasein, onde se faz lida e Mundo. Mundo é sentido para a possibilidade se fazer enquanto tal, ele é uma totalidade significativa. Heidegger pensa agora o ente que é imediata e regularmente aí no Mundo. Como é que o Dasein se entende sempre enquanto si mesmo? Vimos que é a partir da compreensão da reiteração de algo que continua sendo um Mesmo. Aqui começa a se colocar a problemática não da simples constatação de uma reiteração, não do ponto de vista da ipsiedade enquanto a reiteração de um dado (o eu), mas a questão da mesmidade é posta aqui nos termos de propriedade e impropriedade. Isso quer dizer que posso ser o mesmo e não ser apropriado do meu próprio Ser se este for alienado ao Mundo, apropriado pelo impessoal.
Aula 8: Aula final, que será uma revisão da primeira parte de Ser e Tempo e uma introdução sucinta acerca da segunda parte da obra. Chegaremos à conclusão de que a primeira seção de Ser e Tempo, Heidegger a designa como a análise preparatória fundamental para a posterior discussão que esclarecerá o Ser do Dasein enquanto tempo, sendo que ambas as análises do Dasein se dão precisamente para possibilitar a questão primordial posta no princípio do tratado: o problema do sentido do Ser de todo. Quando o Ser se apresenta enquanto sentido, se abre o problema de pensar a problemática da compreensão do Ser. Não há como pensar o Ser sem antes colocar o problema da compreensão do Ser, posto que o Ser ele mesmo só aparece em termos de sentido. A questão do sentido do Ser é, portanto, o que determinou a necessidade desta filosofia de eleger um ente privilegiado e fazer uma analítica existencial do mesmo, para instituir uma ontologia fundamental que pudesse viabilizar o pôr próprio desta questão. Na medida em que o Ser é primeiramente a questão, devem ser levantadas tanto a problemática do Dasein enquanto Ser, quanto a problemática deste ente enquanto tempo. Até o fim da primeira seção de Ser e Tempo, esta última problemática foi no máximo sugerida ou indicada: o Ser foi pensado somente por respeito à estrutura Dasein. A segunda parte de Ser e Tempo será, consequentemente, uma repetição da análise preparatória fundamental do Dasein sob a perspectiva do tempo. Da mesma forma como Heidegger encontrou o ente à-mão, a utensilidade e a mundanidade do Mundo no ente intramundano, encontrará, posteriormente, a intratemporalidade do tempo e mostrará com isso que assim como o Mundo é oriundo da intramundanidade, o tempo é oriundo da intratemporalidade enquanto a pura significatividade histórica reiterada.
[1] Compreendemos que Heidegger frisa o “é” do Dasein para enfatizar e sempre fazer ver que não se trata da facticidade de um ente concreto ou subsistente à vista; diferente do “é” de uma árvore, por exemplo, que simplesmente é, o “é” do Dasein é frisado porque não concerne ao Ser de um subsistente, correspondendo tão somente à facticidade erigida sobre a possibilidade; o existir é, faticamente, enquanto puro possível, enquanto puro poder-ser. Explicitaremos acerca desta questão mais adiante.
[2] Imediata e regularmente o Dasein (porque tem o Mundo como um caráter do seu próprio Ser) apreende pré-temáticamente este seu quem como uma ipsiedade determinada pelo outro, pelo Mundo impessoal. E o “eu” faz parte dessa modificação existenciária da ipsiedade estrutural, posto que o Dasein tem (a reiteração temporal do) seu Mesmo apreendido de imediato através desta perspectiva subsistente dada pelo imediato Mundo da lida. Se o Dasein apreendesse este seu Mesmo como um eu-aqui-junto-com, concerniria compreensivamente (faticamente) a sua estrutura existencial, e isto porque o eu não é um eu subsistente, atemporal e sem Mundo, que se junta a outras subsistências. Contudo, o Dasein não pensa eu-aqui-junto-com, mas pensa que há primeiro este seu “eu” subsistente já dado, que depois de ser é-com. Ele não concebe este seu “eu” inteiramente fundando na lida, desde o Ser-com com o outro e o Ser-junto, pensando portanto que o eu já está fundado e, a partir dele, é que uma coexistência pode se dar. No entanto, só posso ser este (eu) Mesmo reiterado do meu Ser enquanto junto e com, enquanto ocupação [Besorge] e assistência [Fürsorge] (enquanto cura); isto quer dizer que, por ser estrutural e absolutamente ocupação e assistência, estou sempre, ao mesmo tempo, ocupada e assistindo meu próprio Ser.
Qualquer pessoa interessada na filosofia de Martin Heidegger.
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